Convergir

Essa semana, ontem, eu não dormir direito.
Virei na cama durante horas e a cada hora que passava eu olhava pela fresta da janela e dizia a mim mesmo "falta pouco tempo pro sol nascer, daqui a pouco eu levanto." Meu celular descarregou no meio da noite.
E assim foi a noite inteira.
Minha mãe costumava dizer para eu ler quando não estivesse com sono, que ajudava o sono a vir. Como se ele fosse uma locomotiva precisando de carvão (não queimem seus livros, hã!) Isso quando eu era criança. Na verdade ela ainda diz isso.
Bem, durante a noite eu pensei em diversas coisas, como qualquer mente ociosa: uma garota branquinha interessante, com uma risada divertida; uma outra garota, morena, baixinha, sexy e uma terceira garota, também morena e baixinha, tímida. Por pouco a noite se resumia a isso mas, então, vieram outras coisas, música na verdade.
Ah, vai ter um show da banda de meu irmão, mês que vem, no armazém 14.
Falando em música, hoje eu passei minha manhã tocando guitarra. Uma música, com uma pegada punk (três notas, hehe) que eu estou fazendo.
Apesar disso tudo eu acordei meio deprimido, acho que a culpa é de ontem quando eu estava razoavelmente mal. A culpa de tudo que acontece deve ser de ontem. Talvez, se não existisse o "ontem" o mundo seria um lugar melhor, quem sabe.
Uma hora, quando eu estiver mais motivado, eu falo mais sobre o ontem.

Eu estou com um pouco de sono, afinal, eu não tenho dormido muito bem ultimamente.

O homem que comprava relógios

A aula já havia acabado havia algum tempo. Eles estavam ali, falando uma coisa ou outra entre os vários silêncios que preenchiam o tempo entre um fim e qualquer coisa que ainda não aconteceu.

Todos ali se conheciam, apesar de um ser professor e os outros alunos, havia alguma coisa entre eles que os tornavam mais que meros conhecidos. Tanto que a aula já havia acabado havia algum tempo e eles permaneciam lá pelo simples fato de que ir embora significava voltar ao mundo, às obrigações, a tudo aquilo que não fosse o que estava acontecendo agora.
O único que realmente precisava ir embora era o próprio professor, afinal de contas ele tinha um compromisso e não podia se atrasar. Mas outro compromisso o prendia aquele local, um novo aluno pra suas aulas, o homem que eles esperavam.

Ele chegou muito depois do horário marcado. Um homem bem arrumado, com um pouco de suor na camisa ensacada, um sapato combinando com o cinto e nenhum sorriso no rosto. Os outros alunos sentavam-se espalhados pela sala fazendo qualquer coisa, um mais intrometido sentava uma cadeira perto dos dois, o homem e o professor, e não escondia o interesse na conversa.

Havia um imenso contraste entre os dois.
O professor possuia a voz mais calma, mais lenta e mais grave, a voz de uma pessoa determinada. Sentavasse ereto, mas sem parecer orgulhoso, passava confiança. Seus gestos eram firmes e suaves.
O homem falava rápido, como se quisesse terminar logo de falar antes que acabasse falando algo desnecessário, sua voz era aguda e seus olhos se moviam inquietos de um lado a outro. Parecia ser um homem bastante metódico e objetivo, sem tempo para perder com trivialidades. Suas mãos eram inquietas e tremiam, seus dias pareciam ser bastante estressantes.

Eles conversaram durante algum tempo tentando definir qual seria o horário das aulas, nenhum dos dois tinha muito tempo livre. E foi o estranho quem deu a sugestão que ficou determinada. As aulas seriam particulares e ocorreriam na casa dele, ou seja, ele não frequentaria as aulas com o resto da turma, não tinha tempo. O professor lhe perguntou onde era sua casa. Suas mãos trêmulas deslizaram até seu bolso traseiro e voltaram trazendo sua carteira. Ele a abriu e tirou um cartão. Ele era um homem de cartões.
O cartão foi entregue com um endereço escrito na parte branca de trás que todos os cartões têm. Com tudo já resolvido o homem se levantou e foi logo saindo, dispensando qualquer cortesia que tivesse sido oferecida ele sumiu escada abaixo.

E com o homem foi-se a única coisa que mantinha o grupo unido até aquele momento. Olhando o relógio viram o avançado da hora e com a mesma preça na qual o homem havia partido eles despediram-se e tomaram cada um seu rumo.
Primeiras apresentações.

Eu sou só mais um. Sou aquele cara de terno que passou por você há instantes atrás e não lhe falou. Sou o cobrador do ônibus a quem você mal dirige o olhar. Sou a garota bonita que você olhou ainda agora mas que, sabendo que nunca ganharia, você já me esqueceu. Sou sua mãe, seu pai e sua avó. A vizinha e o amigo de infância já esquecido. Eu sou alguém sem muita importância e você provavelmente irá se esquecer de mim alguns dias depois de ter lido esses textos. Eu já estou acostumado com isso, todo mundo se esquece de mim. Ou melhor, a maioria nem se lembra. Mas eu não me incomodo mais, às vezes penso que é como seu fosse uma sombra, algo misterioso. Às vezes eu penso que sou idiota. Devo estar certo.
Eu sou só alguém.
Ainda falando de mim, não tenho muitas qualidades, nada que me diferencie de uma criança de oito anos a não ser o nível de instrução. Ou melhor, muitas crianças de oitos anos já são prodígios, músicos ou atores ou qualquer outra coisa que elas façam melhor que outras crianças de oito anos ou mesmo que adultos de vinte, trinta ou quarenta anos ou mais, de forma que se quiser me comparar, deve ser a aquela criança padrão de oito anos que todas as creches e escolinhas têm.
Muitos acham que eu sou inteligente pela curso da faculdade que faço mas isso não quer dizer nada. Não gosto muito, não tenho talento, sei que não tenho futuro na área, não sei pra que isso vai servir pra mim. Ou melhor sei sim, vai dar um diploma e espero que isso me ajude por que se não ajudar eu vou ter desperdiçado cinco anos de minha vida.
Eu moro numa cidadezinha pequena e sem importância. Na verdade não é tão pequena e sem importância assim, é a capital do Estado a que pertence e já chegou a ser o lugar mais importante do país mas, eu prefiro não pensar nisso. Uma boa parte de seus cidadãos, principalmente os jovens, preferem não pensar nisso, ou então não lembram ou fingem não lembrar das suas aulas de histórias. É uma cidade quente de um país tropical como outras tantas, cheia de prédios e poluição e carro e fumaça e pessoas nos carros e nos prédios respirando a fumaça.